Vizinhos e
internautas
Rio
de Janeiro – Estudioso do comportamento humano na vida moderna constatam que um
dos males de nossa época é a incomunicabilidade das pessoas. Já foi o tempo em
que, mesmo nas grandes cidades, nos bairros residenciais, ao cair da tarde era
costume os vizinhos se darem boa-noite, levarem as cadeiras de vime para as
calçadas e ficar falando da vida, da própria e da dos outros.
A
densidade demográfica, os apartamentos, a violência urbana, o rádio e mais
tarde a TV ilharam cada indivíduo no casulo doméstico. Mora há 18 anos num
prédio da Lagoa; tirante os raros e inevitáveis cumprimentos de praxe no
elevador ou na garagem, não falo com eles nem eles comigo. Não sou exceção. Nesse
lamentável departamento, sou regra.
Daí
que não entendo a pressão que volta e meia me fazem para navegar na Internet. Um
dos argumentos que me dão é que posso falar com pessoas na Indonésia, saber
como vão as colheitas de arroz na china e como estão os melões na Espanha.
Uma
de minhas filhas vangloria-se de ser uma internauta. Tem amigos na Pensilvânia
e arranjou um admirador em Dublin, terra do Joyce, do Bernard Shaw e do Oscar
Wilde. Para convencê-la de seus méritos, ele mandou uma foto em cor que foi
impressa em alta resolução. É um jovem simpático, de bigode, cara honesta. Pode
ser que tenha mandado a foto de um outro.
Lembro
a correspondência sentimental das velhas revistas de antanho. Havia sempre a
promessa: “Troco fotos na primeira carta”. Nunca ouvi dizer que uma dessas
trocas tenha tido resultado aproveitável. Para vencer a incomunicabilidade,
acredito que o internauta deva primeiro aprender a se comunicar com o vizinho
de porta, de prédio, de rua. Passamos uns pelos outros com o desdém de nosso
silêncio, de nossa cara amarrada. Os suicidas se realizam porque, na hora do
desespero, falta o vizinho que lhe deseje sinceramente uma boa noite.
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Cony, Carlos Heitor. Vizinhos e internautas. Folha de S.Paulo, 26 jun. 1997. Opinião,
p. A2.
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